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Os 15 dias de boatos sobre PIX que abalaram governo Lula

Norma da Receita Federal que entrou em vigor no começo de 2025 gerou onda de notícias falsas e levou governo a recuar da decisão. Cronologia da crise inclui vídeo falso feito por inteligência artificial, comentário de Bolsonaro e atuação do deputado Nikolas Ferreira. Lula e Haddad publicaram vídeos para desmentir notícias falsas sobre taxação do Pix
Getty Images via BBC
O Governo Federal anunciou na quarta (15/1) a revogação de uma portaria que ampliava o escopo da fiscalização da Receita Federal sobre transações financeiras, duas semanas depois que ela entrou em vigor.
Além dos bancos tradicionais, que desde 2003 já enviavam informações consolidadas sobre as movimentações financeiras de clientes ao fisco, bancos digitais, aplicativos de pagamento e outras fintechs também teriam de passar a reportar os dados.
Uma onda de desinformação em torno da nova medida, entretanto, com a circulação de notícias falsas de que o PIX seria taxado e passaria a ser monitorado diariamente pela Receita, levaram o governo Lula a recuar.
O PIX é um mecanismo de transferência de dinheiro em tempo real que foi introduzido pelo Banco Central no Brasil em 2020.
Desde então, popularizou-se e virou um dos principais meios de pagamento no país. Em 2024, movimentou R$ 26,4 trilhões, crescimento de 54,6% em relação ao ano anterior e recorde no volume transferido, conforme os dados divulgados pelo BC nesta quinta (16/1).
Entenda a seguir como essa crise foi desencadeada — e como ela se desenrolou ao longo das últimas semanas.
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18 de setembro de 2024: o anúncio
Nesta data, foi publicada no Diário Oficial da União a Instrução Normativa da Receita Federal 2219/24.
Esse é o documento que detalha as mudanças que ampliaram o perfil de instituições que passariam a ter que reportar informações à Receita e acabaram gerando polêmica.
Antes da atualização normativa, bancos tradicionais e algumas outras instituições financeiras enviavam ao fisco informações sobre as movimentações de clientes pessoa física superiores a R$ 2 mil, considerando todos os tipos de operação, inclusive o PIX. Para pessoas jurídicas, o montante era de R$ 6 mil.
A norma revogada atualizava esses valores para R$ 5 mil, no caso de pessoa física, e para R$ 15 mil, no caso de pessoa jurídica, e ampliava o rol de instituições que deveria se reportar à Receita.
As informações enviadas ao fisco já eram e continuariam sendo protegidas por sigilo bancário e apresentadas de forma consolidada, sem que houvesse detalhamento do tipo de transação efetuada, origem ou natureza dos gastos efetuados.
1° de janeiro de 2025: a norma entra em vigor
A RN 2219/24 da Receita Federal passou a valer em todo o país na virada do ano.
A partir de então, os primeiros boatos e notícias falsas sobre uma possível “taxa do PIX” começaram a ganhar força nas redes sociais.
Lançado em 2020, PIX virou um dos principais meios de pagamento no Brasil
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7 de janeiro: Receita publica o primeiro desmentido
O Ministério da Fazenda divulgou um artigo em que fez esclarecimentos sobre as novas normas, esclarecendo que a regra “não implicou em qualquer aumento de tributação”.
Segundo o texto, a medida visava “um melhor gerenciamento de riscos pela administração tributária, a partir da qual será possível oferecer melhores serviços à sociedade, em absoluto respeito às normas legais dos sigilos bancário e fiscal”.
“Os dados recebidos poderão, por exemplo, ser disponibilizados na declaração pré-preenchida do imposto de renda da pessoa física no próximo ano, evitando-se divergências.”
O Ministério da Fazenda explicou que, “quando uma pessoa realiza uma transferência de sua conta para um terceiro, seja enviando um PIX ou fazendo uma operação do tipo DOC ou TED, não se identifica […] para quem ou a que título esse valor individual foi enviado”.
“Ao final de um mês, somam-se todos os valores que saíram da conta, inclusive saques e, se ultrapassado o limite de R$ 5 mil para uma pessoa física, ou de R$ 15 mil para uma pessoa jurídica, a instituição financeira prestará essa informação à Receita Federal.”
Mentiras sobre o PIX se espalham e alimentam golpes com boletos falsificados
9 de janeiro: vídeo falso e pronunciamento de Haddad
Um vídeo falso, feito por inteligência artificial, simulava uma suposta fala do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
No conteúdo falso, que teve grande repercussão nas redes sociais, a voz e o movimento dos lábios dele foram alterados, para dar a impressão de que Haddad anunciava a criação de uma série de novos impostos — sobre cachorros e mulheres grávidas, por exemplo.
A Advocacia Geral da União (AGU) chegou a enviar uma notificação extrajudicial ao Facebook para que o vídeo falso fosse retirado do ar.
“A postagem, manipulada por meio de inteligência artificial, contém informações fraudulentas e atribui ao ministro declarações inexistentes sobre a criação de um imposto incidente sobre animais de estimação e pré-natal”, destaca a notificação da AGU.
Nesse mesmo dia, o próprio Haddad publicou nas redes sociais um vídeo em que desmentia os boatos, inclusive sobre o monitoramento das contas bancárias.
“Imposto sobre PIX. Mentira. Imposto sobre quem compra dólar. Mentira. Imposto sobre quem tem animal de estimação. Mentira”, diz ele.
“Fake news prejudica a democracia e traz uma série de inseguranças para as pessoas. Então fique ligado, deixe a mentira de lado”, concluiu o ministro.
10 de janeiro: Lula se manifesta
Um dia depois, foi a vez de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazer novos esclarecimentos e desmentidos.
Para isso, publicou um vídeo em que ele próprio faz um Pix para a campanha de arrecadação que pretende pagar a dívida da construção da NeoQuímica Arena, o Estádio do Corinthians.
“Por que eu tomei essa decisão? Porque tem uma quantidade enorme de mentiras desde ontem em todas as redes sociais dizendo que o governo vai taxar o PIX. E eu quero provar que é mentira”, afirmou ele.
13 de janeiro: Bolsonaro entra em cena
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a fazer uma série de postagens no X (antigo Twitter) sobre o PIX.
Ele lembrou que a ferramenta foi criada durante seu governo e classificou mudanças na fiscalização como “covardia com os mais pobres”.
“Além de diaristas, camelôs, cabeleireiras, jardineiros, pedreiros, taxistas, palhaços de festa, ajuda a filhos/netos, vendedores de pipoca, etc, poderão ser obrigados a entregar parte de seu ganho para o Imposto de Renda”, escreveu Bolsonaro.
O ex-presidente ainda afirmou que acionaria a bancada de deputados e senadores do PL, e de outros partidos, em busca de “medidas para derrubar essa desumana instrução normativa”.
14 de janeiro: vídeo de Nikolas e mudança de ministro
Um vídeo sobre o debate publicado no Instagram pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) viralizou nas redes sociais — atualmente, está com mais de 286 milhões de visualizações no Instagram.
Ferreira criticou o aumento da fiscalização sobre as informações bancárias e a qualidade dos serviços públicos mantidos com o dinheiro dos impostos, como saúde e educação.
Embora diga que “o PIX não será taxado”, o deputado federal lembra que “a comprinha da China não seria taxada, e foi”.
Ele também declarou que “não duvida” que o PIX possa ser alvo de alguma taxa no futuro.
Nesse mesmo dia, o publicitário Sidônio Palmeira tomou posse como novo ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom).
Ele substituiu o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que ocupava o cargo desde o início do terceiro governo Lula.
Em discurso durante o evento, Palmeira lamentou que os “avanços [do governo] nem sempre são percebidos por uma parcela da população” e citou as “mentiras nos ambientes digitais”.
Vídeo do deputado Nikolas Ferreira sobre a polêmica do PIX viralizou nas redes sociais
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15 de janeiro: o fim antecipado
Após toda a repercussão das últimas semanas, Haddad e Robinson Barreirinhas, secretário da Receita Federal, anunciaram que o governo revogou a norma da Receita Federal.
O ministro ainda detalhou que o presidente Lula vai assinar uma medida provisória (MP) para assegurar que as transações via PIX não sejam tributadas.
“O ato que o Barreirinhas acaba de anunciar é justamente para dar força à tramitação de uma MP que o presidente está para assinar […] que reforça os princípios tanto da não oneração, da gratuidade do uso do PIX, quanto de todas as cláusulas de sigilo bancário em torno do PIX”, disse Haddad.
Ele ainda disse que o assunto foi “objeto de exploração” por pessoas que, na visão dele, “estão cometendo um crime”.
“Porque quando você desacredita um instrumento público, você está cometendo um crime”, argumentou o ministro.
“O estrago causado está feito por esses inescrupulosos, inclusive senador e deputado, agindo contra o Estado. Essas pessoas vão ter que responder pelo que fizeram, mas não queremos contaminar a tramitação da MP no Congresso”, complementou Haddad.
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